Louco? Enérgico? Furioso? Maluco? Talvez isso seja comportamento padrão para qualquer roqueiro dos anos 1950 que se preze. Misturar toda essa loucura trancada dentro de si em um piano de cauda e, dele, fazer história, musica e rebeldia não deveria, talvez, ser o correto para um instrumento com cara de clássico, tão comportado e cheio de pompa;
Agora, tente explicar isto para este garoto de Ferriday no estado da Louisiana, que transformou o comportado piano de cauda em parte integrante do universo do Rock, empregando nele toda a energia e raiva que o estilo demanda. Ainda bem que ninguém tentou fazer isto com Jerry Lee Lewis, uma lenda pioneira do Rock que orgulhava-se da estrada alucinante (e cercada de algumas polêmicas) que trilhou e de ser, olhando em volta, um dos últimos pioneiros das “pedras rolando” vivo. O tal do “last man standing“.

Pois é, mas usar esse verbo “explicar” no passado talvez doa um pouco agora. É que o velho Jerry, a lenda do Rock que se orgulhava de estar em pé por último e esbanjando essa mesma raiva do alto dos seus 87 anos não está mais entre nós. O pianista do Rock morreu nesta sexta-feira (28), tendo seu falecimento sido confirmado pelo seu agente, Zach Farnum, sem divulgar a causa-mortis do astro. Ele esta no Condado de DeSoto, no Mississippi.
E chamar Jerry de lenda não é exagero. Mesmo com uma vida alucinante e cercada de momentos polêmicos – como seus incidentes com armas e o casamento com uma prima de 13 anos – ele está colocado entre gente do naipe de Elvis Presley, seu colega de Sun Records, e o cabeludo Carl Perkins, seu companheiro ao lado de The Pelvis e Johnny Cash no chamado “Million Dollar Quartet” em 1956. Falar de Rock e não colocar na playlist “Great Balls of Fire“, “What’d I Say” e “Whole Lotta Shakin’ Goin’ On” é quase perto de uma heresia.
Jerry era bom desde cedo, tanto que fez os pais hipotecarem a própria casa para comprar o primeiro piano, ainda na tenra idade. E foi na mesma Sun Records que viu Elvis estourar com “That’s Alright, Mama” que The Killer, como também era conhecido, começou pra valer a estrada no Rock. Valendo-se de uma mistura de Rock, Country, Gospel e R&B, o pianista fez do gênero uma mistura de clássico com rebeldia, quase como Little Richard, seu irmão em piano, também o fazia.

Ele era surtado nas suas aparições, dizia que a intenção era levar as pessoas da plateia “para o inferno”, ao lado dele. Acrobacias, pé em cima das teclas, cadeiras voando e até chamas dentro do piano, tudo fazia parte do show para Jerry. Sua carreira, no entanto, oscilava entre a normalidade e o caos. Fora as brigas e os incidentes com armas, a bronca maior foi a reação popular diante do escandaloso casamento do cantor com Myra Gale Brown, sua prima de apenas 13 anos. Era apenas um dos sete casamentos que teve na vida mas o mais comentado e prejudicial a sua carreira ainda ascendente.
Seu pioneirismo e sua sonoridade, responsável por delinear o que seria o som do Rock ao longo dos anos, fez dele um dos primeiros inclusos no Hall da Fama do Rock, em 1986. São mais de 40 discos, grandes momentos na musica e encontros épicos, como este em 1977, ao lado dos parceiros contemporâneos Carl Perkins e Johnny Cash e de Roy Orbison, numa homenagem a Elvis durante o especial de natal de Cash:

“Judith, sua sétima esposa, estava ao seu lado quando ele morreu em sua casa. Ele disse a ela, em seus últimos dias, que dava boas-vindas ao futuro e que não tinha medo.”, disse o agente do cantor no comunicado que anunciou sua morte. Jerry deixa as filhas Phoebe e Lori; os filhos Jerry Lee III e Ronnie; e duas irmãs. Uma partida silenciosa e calma para junto da turma de 1955, aqueles mesmos que, como ele, são os pioneiros do bom e velho Rock que Lewis militou por tanto tempo se recusando a parar.
É a hora, o “último homem em pé” não está mais aqui. E se um piano for tocado loucamente com um pé, pode contar que Jerry Lee Lewis lá esteve.