Chris Rea: Como criar, em um dia aparentemente comum, um clássico obrigatório de Natal?

(Por: André Bonomini)

Morreu Chris Rea. Uma voz britânica cheia de finesse dada ao tom grave e suas interpretações suaves e marcantes que deram vida a clássicos como “Fool (If You Think It’s Over)“, “The Road to Hell“, “Josephine” e outras tantas. Partiu aos 74 anos segundo o anuncio feito pela família do cantor à imprensa britânica nesta última segunda-feira (22).

Inglês de Middlesbrough, norte da ilha, tinha um talento meticuloso para composições. Era como gostaria, segundo ele, de viver mais: “tocando ‘nas sombras’ e compondo para os outros”. Mas tal como Burt Bacharach, se viu de frente para um microfone e um palco e não fez feio nos trabalhos que criou e ganhou notoriedade no mundo da música.

Mas Chris Rea nos ensina outra coisa além de ser um simples compositor que se vê cantando a própria obra quando a vontade era estar sentado diante de papel e caneta simplesmente criando melodias e letras. A concepção de um clássico natalino é algo tão marcante e profundo que é impossível ignorar a poesia que se esconde atrás dele por mais simplista que pareça.

Driving Home for Christmas” é daquelas que torna-se obrigatória em qualquer playlist natalina que se diga de classe ou que reúna sons marcantes do período. Ela chegou as bocas em 1986, porém seu nascimento, oito anos antes, teve lances poéticos que parecem nos colocar no lugar do seu criador quando do momento da inspiração.

Premissa simples: Chris precisava voltar para a casa depois de um longo dia de trabalho em Londres, nos famosos estúdios de Abbey Road (à época administrados pela EMI). A esposa do cantor foi busca-lo por lá num pequenino Austin Mini até por questão de economizar os poucos caraminguás que tinha no bolso. Era bem mais barato voltar de carro e a gravadora não estava disposta a pagar a passagem de trem.

Período de Natal, neve caíndo e um transito dito “diabólico” para driblar. E na mente do compositor, uma observação parecia transformar o cenário em letra quase que instantaneamente: Chris observava os motoristas em volta, todos com feições que lhe pareciam tristes, um tanto angustiados presos na fila. Jocosamente, começou a cantarolar: “estou dirigindo para casa para o Natal…“.

O estalo mental! E a cada luz de carro que cruzava com o seu, uma pausa e alguma anotações. Era, como ele mesmo definira, uma “versão automotiva de uma canção de Natal” e a ideia inicial era destina-la a voz rasgada do compatriota Van Morrison, mas nunca entregou a letra à ele. Somente anos depois, em testes de piano em estudio, encontrou a melodia que seria Lado B do single “Hello Friend“, em 1986.

Nascia um clássico, tão casual e naturalmente que levaria o nome de Chris Rea muito além do que já havia escrito. Virou tema obrigatório, sobretudo se uma familia encontra-se na estrada a caminho da própria casa ou da casa de parentes para as festas de Natal. Casa como luva: a melodia a lá 1950, a simplicidade do piano, a letra cantada com uma alegria solene, um acerto no alvo.

No começo, um surpreendente “fracasso”, mas ela foi ganhando seu status de cult natalino com o tempo e suas constantes redescobertas. O próprio cantor dizia que não era a sua favorita, mas brindava os fãs com ela vez em quando nos shows que fazia. E perto dos 40 anos de seu nascimento “oficial”, ouvir “Driving Home for Christmas” é uma experiencia quase sensorial, uma melodia nascia do acaso comum de um período de fim de ano que, hoje, não pode faltar em qualquer playlist que se preze.

Pena. O criador não estará conosco para canta-la uma vez mais quatro décadas depois, mas Chris Rea, tão discreto e simples no seu trabalho, não será esquecido por nós tão cedo, sobretudo se, nas estradas da vida neste período, estarmos dirigindo para casa para o Natal.

Thanks, Chris!

(Dica: já ouviu a playlist de Natal da UNIÃO FM? Chris Rea e outros clássicos estão ai numa seleção de mais de 130 músicas para ilustrar suas festas com alta classe e alegra. Dê o play!)

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