(Por: André Bonomini)
Língua maldosa minha, admito… As vezes, lembrava comigo nas minhas audições de Soul no recanto do lar que “Stevie Wonder nunca ‘viu’ o sucesso que fez”. Confesso, jocoso e infeliz demais…
Mas existe forma melhor do que deixar-se levar pelo som de olhos fechados?
Stevie nos ensina isso há tanto tempo. Mesmíssima escola de Ray Charles porém aprimorada na inventividade, no talento e no pioneirismo. O garoto do Michigan pomposamente batizado de Stevland Hardaway Morris fecha 75 primaveras na propalada árvore da vida neste dia 13 de maio e não tem quem nunca, jamais em qualquer canto deste mundo deixou-se sentir o groove e o embalo únicos deste legitimo pioneiro.
Quando Berry Gordy apontou o dedo para ele e disse que este seria “o cara”, não podia estar mais certo. E não bastava fazer sucesso, pois isto é o protocolar de qualquer cantor, para uma mente inventiva era preciso sair da caixinha, deixar a vibração mandar em tudo quando o necessário era um som marcante.
Sentir a musica em sua base, as notas, o embalo que a combinação de acordes e o sortimento de melodias traz não é qualidade que floresce em qualquer músico ou musicista. Wonder ia fundo nestas sensações, conseguia alternar do romance profundo e elegante ao contagio pleno e digno de festas com as canções que criava, indo além do sucesso de uma vida.
Quando o Soul virou força musical, lá estava Stevie como seu maior porta-voz e tendo à ele alguns mil dedos apontados buscando inspiração. O sorriso constante imerso na musica que cantava, o balançar frenético do corpo atrás do piano como se cada. Não era preciso procurar ele no palco, bastava deixar o som correr: moderno, envolvente, ora reflexivo, ora frenético, aquele papo de “qualquer musica do Soul faz você dançar sozinho”, sabe?
Stevie atravessa as épocas ainda inspirando com um som atemporal, a frente do tempo e base para qualquer engomado atual criar e inspirar, ou por que não chamar o veterano para o lado e cantar junto. Paul McCartney, por exemplo foi capaz de sentir esta alternância de som trazida na raiz de seu conhecimento na belíssima “Ebony and Ivory“, um dos grandes clássicos do velho beatle de todos os tempos.
E o vocal? A brincadeira vocal quando exigida deixa marcas. Na inesquecível “We Are World“, lá estava ele, no aconchego do carinho e reverencia de Diana Ross e Michael Jackson e deixando uma nota vocal altamente marcante entre as estrofes da apoteose sonora daquela noite de 1985. Alias, estas brincadeiras vocais são tão marcantes que viram referencia mesmo… de olhos fechados.
E de olhos fechados parece que as reações vívidas da música nos capturam ainda mais forte. Foi e é assim que o som do garoto do Michigan ainda nos conquista e contagia com algumas das passagens mais belas, entre dança e romance, que a música pode registrar na história. Ouvir Stevie Wonder não é apenas uma audição simples, mas uma espécie de experiência sensorial tal como o processo criativo do compositor, de ponta a ponta no processo.
Afinal, se ele o faz “de olhos fechados”, sintamos o som dele também de olhos fechados. Não faz bem apenas “ouvir” Stevie, é preciso sentir o que ele é capaz de fazer, pura e simplesmente.