Soul Train: Uma locomotiva da música

(Por André Bonomini)

Se há eventos no mundo da música que possam ser considerados peças-chave para determinados movimentos do som ao longo das eras, sem duvida a criação de Don Cornelius em 1971 é daqueles que merece exaltação e maior visibilidade como evento capilar musical de todos os tempos: grandes nomes, talentos promissores que viraram referencias, dança, ritmo, a identidade de uma geração, era o Soul Train.

Para quem conhece os meandros musicais, basta dizer que o Soul foi um dos gritos de uma geração que ainda vinha das lutas constantes pelos direitos civis nos EUA e buscava a afirmação de estilo e atitude, sobretudo através do som poderoso que combinava baixos pesados, melodias entre o romance e a dança, rimas e vozes graves ou mais finas, vocais e coreografias que desenharam um estilo e o desenham até hoje, passadas mais de cinco décadas da primeira incursão do programa na TV americana, quando aquele som “de preto” já não era o bicho estranho de outrora (enfim!).

Naquele estúdio colorido e permeado de seres dançantes e capacetes alinhados, desfilaria a nata de um estilo que delinearia os anos seguintes da dita black music: James Brown era quase um rei europeu quando aparecia por lá, merecendo todas as distinções de Cornelius a cada visita, como um padrinho legitimo da música que ele mesmo foi basilar.

O criador: Don Cornelius

E fora o “Soul Brother Number One“, que dizer das primeiras aparições do Jackson Five com um Michael Jackson ainda fresco e descobrindo o bailado no palco, a graça de Gladys Knight e Aretha Franklin, as coreografias dos eternos “rivais” Four Tops e Temptations, o romantismo do Stylistics e, anos depois mergulhando na inovação dos anos 1980, sendo porta de entrada de gente como as saudosas Aaliyah e Whitney Houston e o Rap que dominava a cena ainda lentamente.

https://www.youtube.com/watch?v=1RYKrvW33ek

No entanto, talvez tão marcante quanto James Brown pirando a cabeça dos transeuntes na pista eram as vezes em que Stevie Wonder aparecia por lá. Quase como uma reunião nos becos do Bronx ou do Harlem, a turma se reunia em torno do teclado do cantor/musico e deixava correndo vigorosamente o som daquele cidadão que sentia fortemente a vibração de uma gente que o reverenciava (e reverencia) pelo talento e groove que nascia da sua ainda insipiente criatividade.

Poderiamos ficar aqui listando as mais legais apresentações vistas pela TV americana no pioneiro e desafiador Soul Train, impossível parar em três ou quatro pois cada uma carrega aquele contagio do Soul/Funk que torna qualquer som um baile completo. A verdade é que, de evento basilar de estilo musical, a criação de Don Cornelius virou o rótulo maior de uma geração pautada neste som que conquistou o mundo, quebrou preconceitos e escreveu estilos e maneirismos até hoje.

E ainda ouso dizer: se Beyoncé suas “comadres” no Soul atual são ou que são hoje, é porque em outros tempos haviam damas como Aretha Franklin, Jean Knight, Gladys Knight, Whitney Houston e Roberta Flack (entre outras) que desfilaram sua graça, voz e atitude sob a batuta de Don Cornelius e a linha de trem mais colorida e vibrante do som. Um exemplo de tantos do arrebatamento musical que significou o Soul Train.

Assim sendo, deixemo-nos levar pelo som… ou melhor, pelo SOUL! A linha do trem segue passando, a gente só tem o trabalho de curtir, dançar, se emocionar e reverenciar. É o poder da música, o poder do legitimo Soul.

E como dizia Don Cornelius: Peace… and SOUL!

E para quem quiser mergulhar mais neste universo, o Quinta Clássica já explorou há algum tempo a velha história escrita pelo Soul Train com páginas e páginas do Soul destacadas no programa. A última foi em novembro, quando a “noite do Soul” do programa celebrou a memória de Barry White. Ouça:

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